Enfim livres?! Uma jornada ao mundo das partículas elementares - Parte II

No artigo passado, vimos que a física moderna descreve o mundo sub-atômico através de uma teoria chamada Modelo Padrão. Segundo essa teoria, todas as coisas que existem no mundo são formadas de quarks e elétrons. Os elétrons são facilmente medidos e estão inseridos em nossa vida diária através de qualquer aparelho elétrico ou eletrônico que utilizamos. Porém, os quarks estão presos, ou confinados, dentro de outras partículas, como prótons e nêutrons. Eles nunca foram observados, porém mesmo assim temos fortes evidências indiretas de sua existência.

Em 1999, foi inaugurado nos EUA um acelerador onde se pretende realizar experiências que dêem aos quarks o “prazer” de obter poucos instantes de liberdade. Essas experiências têm obtidos resultados muito interessantes e serão discutidas neste artigo.

Como vimos anteriormente, ao tentar libertar o quark, produzimos uma energia muito grande, que se converte rapidamente em outras partículas, e são elas que medimos nos detetores, ao invés do quark. Porém, os físicos tiveram uma outra idéia. Se não podemos libertar um único quark e medi-lo diretamente, por que não criar um sistema que ocupe uma região do espaço bem maior do que o volume de um próton onde muitos quarks se encontram livres para transitar dentro desse volume, dando a eles poucos instantes de “liberdade”?

E como podemos obter um sistema como esse? Pode-se fazer isso, da mesma maneira que transformamos gelo em água: comprimindo-o ou aquecendo-o. Um sistema como esse pode ser considerado como um novo estado da matéria, e é chamado de Plasma de Quarks e Gluons. Uma imagem pictórica desse sistema pode ser visto na figura abaixo.

 

 

Mas, por que fazer isso? Até hoje, o Modelo Padrão, que postula a existência de quarks, não conseguiu explicar a razão do confinamento de quarks em outras partículas. Essa propriedade é postulada a fim de se explicar os dados experimentais, porém nenhuma razão mais fundamental foi encontrada para ela. Estudando esse sistema onde os quarks estão livres certamente trará importantes informações sobre a natureza desse confinamento, além de muitas outras propriedades dos quarks.

Além disso, existem uma outra conseqüência fascinante em se estudar um sistema como esse. A teoria mais aceita atualmente para explicar a origem e evolução do Universo é a teoria do Big Bang. Segundo ela, o Universo teria surgido de uma grande explosão (o Big Bang) a partir de um ponto, ou singularidade. Portanto, no início, toda a matéria do Universo estaria concentrada em um volume muito pequeno. Toda essa pressão e temperatura impediria os quarks de se combinarem em outras partículas. Em outras palavras, nos primeiros instantes de  vida do Universo, só existia o Plasma de Quarks e Gluons. Se pudermos criar esse estado da matéria no laboratório, estaremos recriando o Big Bang. E essa, sem dúvida, é uma idéia fascinante. A figura abaixo ilustra a descrição da origem e evolução do Universo segundo a teoria do Big Bang.

 

 

E como é possível formar esse sistema experimentalmente? Essa foi a principal motivação para a construção de um acelerador de núcleos pesados nos EUA. Ele se chama RHIC (Relativistic Heavy Ion Collider) e está localizado no Brookhaven National Laboratory, no estado de Nova Iorque, EUA. Na figura abaixo é mostrada uma foto aérea desse acelerador.

 

 

O RHIC é capaz  de promover a colisão entre dois núcleos de ouro, que é bastante pesado, a energias elevadíssimas. Para se ter uma idéia, a energia gerada na colisão entre os núcleos de ouro nesse acelerador é 40,000 vezes maior que a massa do próton! Portanto, essas colisões depositam uma quantidade enorme de energia em um pequeno volume do espaço, fazendo com que os quarks possam se separar, e se movimentar livremente nessa região do espaço.

Resultados extremamente interessantes têm sido obtidos nas experiências realizadas nesse acelerador. Entretanto, existem dificuldades muito grandes em se identificar sem ambigüidades a formação ou não do Plasma de Quarks e Gluons nessas colisões. Progressos extremamente encorajadores têm sido obtidos. A última edição da revista científica Physical Review Letters, a de maior impacto na área da física, é toda dedicada aos resultados mais recentes desse acelerador. Porém teremos que aguardar mais resultados experimentais, que estão a caminho para o ano de 2004, para poder afirmar com toda certeza que, finalmente, proporcionamos um pouco de liberdade aos pobres quarks.