Enfim livres?! Uma jornada ao mundo das partículas elementares - Parte I

Imagine a seguinte situação. Pegue um pedaço de qualquer material (madeira, borracha, plástico, metal, qualquer coisa mesmo) e divida-o ao meio. Tome uma de suas metades e divida-a novamente ao meio. Imagine a repetição dessa divisão milhões e milhões de vezes. Esquecendo por um instante as limitações puramente técnicas dessa empreitada, você já se perguntou onde isso iria parar? Ou melhor, será que isso teria um fim? Se tiver, o que restará em nossas mãos? O que será isso?

Esse tipo de pergunta provoca a imaginação humana a milhares de anos. Um filósofo grego chamado Demócrito pensou nisso há, aproximadamente, 2400 anos. Como ele não podia realizar essa experiência na prática, ele acreditava que ela de fato teria um fim e restaria em suas mãos o menor constituinte da matéria, o chamado átomo, que, na língua grega, significa exatamente “não divisível” (a-tomos). Essa é a interpretação do que seja uma partícula fundamental, ou seja, aquela que não tem estrutura, não é composta por nenhuma outra partícula.

E atualmente, o que a ciência tem a nos dizer sobre isso? Primeiramente, o que a ciência chama de átomo não é a mesma coisa que Demócrito intitulou como sendo um a-tomos. Um átomo para os cientistas contemporâneos é um objeto bastante complexo, composto de várias outras estruturas. Um átomo possui um núcleo denso e pesado, que é “orbitado” por partículas chamadas de elétrons. O núcleo, por sua vez, é composto por duas outras partículas chamadas de prótons e nêutrons. E não para por aqui! Prótons e nêutrons são ainda compostos por outras partículas chamadas de quarks.

Essa descrição do átomo e das partículas que o compõem corresponde a uma teoria da física chamada de Modelo Padrão. Essa teoria é a mais aceita pela comunidade científica para descrever a composição de tudo que nos cerca, pois ela descreve muito bem uma infinidade de observações experimentais. Segundo essa teoria, as partículas “não divisíveis” ou fundamentais são em número de 12 e entre elas estão os elétrons e os quarks. O desenho abaixo ilustra a imagem simplificada que a física moderna tem do átomo.

 

 

E como os físicos sabem de tudo isso? Como eles chegaram a essas conclusões? Obviamente, essa teoria surgiu da observação da natureza.  Mas, que tipo de observação?

A forma de se estudar os componentes mais fundamentais da matéria é através de experiências que levam núcleos, prótons e, até mesmo, elétrons a colidirem uns com os outros. Ou seja, essas partículas são “jogadas” umas contra as outras e procura-se medir tudo aquilo que sai dessa colisão. Um fato notável dessas colisões é que elas resultam na produção de muitas outras partículas. Medindo-se essas partículas e suas características é possível reconstruir a composição das partículas originais que foram colididas e chegar a descrição do mundo feito pelo Modelo Padrão.

Esses experimentos são realizados em aceleradores de partículas, e os produtos das colisões são medidos com detetores que utilizam as mais diversas tecnologias. Existem vários aceleradores no mundo, e milhares de medidas já foram realizadas. Nessas experiências é possível medir centenas de tipos diferentes de partículas. Todas elas se encaixam perfeitamente na descrição dada pelo Modelo Padrão. Porém, um fato notável foi percebido logo que se iniciaram as experiências com aceleradores de partículas.Nunca se mediu o constituinte mais básico de todas as coisas, os quarks.

Diante dessa constatação, é natural se questionar esse modelo. Como é possível se afirmar a existência de algo que não podemos medir? E, por que não conseguimos medi-lo? Essa situação é comum na física. Existem várias entidades que não podemos medir diretamente, mas que se manifestam de maneira indireta. O quark é uma delas. Propriedades de simetria das partículas medidas em experiências com aceleradores e, principalmente, experiências com elétrons acelerados a altíssimas energias que se chocam com prótons, atestam a existência dos quarks.

O Modelo Padrão procura explicar a inexistência de medidas diretas do quark atribuindo a ele uma propriedade bastante interessante e de origem ainda desconhecida. Os quarks nunca foram medidos pois estão confinados dentro de partículas como prótons e nêutrons. Ao tentar libertá-lo, produzimos uma energia muito grande, que se converte rapidamente em outras partículas. Portanto, acabamos medindo apenas essas partículas resultantes e os quarks continuam presos dentro delas.

Porém, foi inaugurado em 1999 nos EUA um acelerador onde se pretende realizar experiências que dêem aos quarks o “prazer” de obter poucos instantes de liberdade. Essas experiências têm obtidos resultados muito interessantes e serão discutidas na segunda parte deste artigo.